Uma proposta de alteração da lei brasileira de direitos autorais está sendo discutida no Conselho Nacional de Combate à Pirataria. A principal alteração da proposta é para limitar (sim, você leu direito) os direitos autorais, legalizando a cópia privada integral. Esse tipo de cópia é proibido desde a lei de 1998: hoje, só são legais as cópias privadas de “pequenos trechos”.
Curiosamente, tudo indica que foi a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual que encaminhou a proposta: ela foi mencionada por Gustavo Starling Leonardos, presidente da ABPI, num almoço mensal da associação; e além disso, a ABPI tem uma resolução aprovada em 2005 que propõe essa mesma mudança na lei. (O texto dessa resolução também aparece numa petição online do pessoal da FGV/Rio; não sei quem é o ovo, quem é a galinha.)
A resolução de 2005 (que provavelmente está incluída nessa proposta) propõe, resumidamente, que sejam permitidas as cópias privadas integrais que satisfizerem pelo menos duas das condições abaixo:
- tenha finalidade de “crítica, comentário, noticiário, educação, ensino, pesquisa, produção de prova judiciária ou administrativa, uso exclusivo de deficientes visuais”;
- não tenha finalidade “essencialmente comercial”;
- seu efeito no mercado seja “individualmente desprezível”.
Nem tudo é perfeito. A proposta também inclui alteração no Código Penal (art. 184), para tipificar o crime de quebra de mecanismos de proteção (vulgos DRM: “Digital Rights Management”). Um DMCA brasileiro? Como diz o Gaspari, uma no cravo, outra na ferradura. Tomara que as limitações ao direito autoral (como o domínio público e a própria cópia privada) sejam levadas em conta adequadamente nesse caso.
Mas sem dúvida, o saldo pode ser bastante positivo. Aparentemente, a intenção é que a legislação seja enrijecida para os distribuidores e comercializadores de produtos piratas, e não para o usuário individual. Segundo comentaram o Pablo Ortellado e o Jorge Machado (professores da USP, que conversaram com gente envolvida na redação dessa proposta), a ABPI quer que a lei tenha mais respaldo público.
Surpreende. Embora a ABPI não seja apenas uma associação da “indústria”, como a ABPD e a ABDR (segundo o site, a associação “congrega empresas, escritórios de agentes de propriedade industrial, escritórios de advocacia e especialistas”), ela também não é lá um oásis de progressismo; como exemplo, o palestrante do almoço mensal citado foi nada mais nada menos que Alberto Gonzales, o polêmico procurador-geral dos EUA que já foi conselheiro de Bush por 5 anos.
Mas a surpresa maior é que, entre outros efeitos, essa alteração legalizaria praticamente todo o xerox nas universidades. Será que eles combinaram com os russos? E além de saírem “perdendo” com a cópia privada integral, as editoras também não “ganham” nada com a proteção aos DRM (ao contrário das gravadoras e das empresas de software, por exemplo). Acho que isso ainda vai render polêmica.
(Fontes: fiquei sabendo desta notícia primeiramente por Jorge Machado e Pablo Ortellado, e depois pelo blog do Alexandre Atheniense, que comentava notícia do Jornal do Commercio.)
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