No dia 26/5/2010 rolou um ato pela reforma da lei de direito autoral. O principal objetivo do ato era pressionar o MinC a realizar a prometida consulta pública a respeito de um projeto de nova lei, elaborado pelo ministério e um grande número de entidades da sociedade civil, durante alguns anos de debate.
Durante o ato também foram lançados o caderno “Direito Autoral em Debate”, e uma lista de cinco “Princípios para uma nova Lei de Direito Autoral”, ambos de autoria do grupo que organizou o ato: a Rede pela Reforma da Lei de Direito Autoral.
Você pode encontrar fotos do evento aqui, e alguma repercussão aqui e aqui. Deixo a seguir as anotações que fiz das falas no ato. (Com a ressalva — algo óbvia, mas importante — de que não se trata de transcrição, mas de impressões minhas, esparsas, que não foram revisadas pelos participantes; correções são bem-vindas. Aliás, não consegui anotar os nomes de dois dos mencionados abaixo — veja abaixo, entre colchetes, e avise se você souber.)
[Procurador MPF]
É importante não ficar apenas numa discussão patrimonialista do direito autoral, e enfocar em primeiro lugar os diversos outros valores envolvidos nas questões de direito autoral: direito à educação, à privacidade, à liberdade de expressão.
Guilherme Varella (IDEC)
Agradecemos o MPF. [Apresentação da Rede Pela Reforma.] Além da esfera patrimonial, direito autoral tem uma esfera pública; nela, a lei atual falha: não protege devidamente os criadores, nem permite a plena circulação das obras, e não incorpora novas tecnologias e práticas sociais que contribuem para o acesso ao conhecimento. Lei brasileira é uma das mais restritivas do mundo.
Este ato visa mostrar a importância da mudança dessa lei, e convocar o MinC a colocar o projeto de reforma em consulta pública o mais rápido possível ― do contrário, é possível que ela não seja realizada.
Pablo Ortellado (G-Popai / USP)
Quero fazer um pequeno depoimento sobre como a lei dificulta o trabalho acadêmico, tanto na pesquisa como no ensino. Tratarei de três aspectos.
O primeiro é a questão da preservação. Todas as instituições de preservação cultural ― como Biblioteca Brasiliana, Cinemateca Brasileira etc. ― veem-se em dilemas cotidianos entre exercer sua função de preservação violando a lei de direito autoral (por meio de cópias de preservação) ou deixar muitas obras únicas serem totalmente perdidas.
O segundo é a questão do tempo de duração do direito autoral. No Brasil ele dura mais do que o exigido pelos tratados internacionais; para muitas obras, o tempo entre a criação e a passagem ao domínio público chega a 120 anos. Um exemplo é a obra do Freud, que demorou por volta de 115 anos para entrar em domínio público. Até então, a única tradução feita em português brasileiro era considerada inadequada pela maioria da comunidade acadêmica, e era impossível produzir traduções alternativas.
O terceiro é a impossibilidade da cópia integral privada. Fizemos estudo que mostrou que por volta de 1/3 dos livros exigidos em disciplinas acadêmicas estão esgotados, e a cópia integral deles é totalmente ilegal de acordo com a lei atual.
Eleonora Rigotti (CUCA / UNE)
UNE tem histórico de defesa dos interesses não só dos estudantes, mas de toda a sociedade. A Reforma da LDA é importante para nós por dois aspectos: porque favorece o direito à educação, e porque permite tentar reequilibras as relações entre criadores, intermediários e consumidores.
A questão da reprografia é central: é prática cotidiana hoje, e necessária para a realização do direito à educação.
Everton Rodrigues (mensagem do dep. Paulo Teixeira)
É necessário envolver mais os criadores neste debate; marco civil é exemplo de sucesso nisso por meio da utilização da consulta pública. O marco civil, o plano nacional de banda larga e a reforma da LDA são totalmente complementares na busca pelo acesso ao conhecimento.
Frank Ferreira (movimento cineclubista)
Nos sentimos como os representantes do público na cadeia cinematográfica. Nesse sentido, somos totalmente favoráveis à reforma. Esse tema certamente será tratado em seminário neste fim de semana, em Atibaia.
Luiz Moncau (CTS / FGV)
É muito importante tornarmos público esse debate, para que o debate seja equilibrado; eventos como este são bem-vindos. Os que são contrários à reforma argumentam a partir de pesquisas cujos dados e metodologias não são transparentes, e com pressupostos questionáveis – por exemplo, de que toda reprodução é uma venda perdida. A expressão “pirataria” é usada com a intenção de provocar reações emocionais: a grande maioria das pessoas crê que o Estado deve combatê-la, e dão a crer que a reforma irá contra isso. Nós não somos contrário ao direito autoral, mas entendemos que ele passou do ponto, e que é preciso buscar um ponto de equilíbrio.
Claudio Prado (Casa da Cultura Digital)
Fico feliz que essa discussão esteja sendo feita no MPF. A reforma da LDA deveria ser algo muito simples, pois nossa lei é ridiculamente atrasada: todo “copiar e colar” feito em nosso computador poderia ser um ilícito penal de acordo com essa lei.
O digital vai contra a estrutura baseada nos intermediários. São eles que são os verdadeiros “piratas”: as editoras, gravadoras etc., que querem ganhar muitíssimo dinheiro. É uma pena saber que haja tantos autores que embarcam nessa história, crendo que um “(c)” em suas obras irá favorecer a eles, e não aos intermediários, como o ECAD.
O ECAD tem 300 advogados. Não consigo crer que uma instituição com 300 advogados possa ser “do bem”.
Parabéns ao Paulo Teixeira, que percebeu a importância de tratar essa questão de forma transversal. Gostei da cartilha, mas acho que temos que fazer vídeos, mostrando como todos os professores estão cometendo ilícitos. O MPF, aliás, deveria enquadrá-los por formação de quadrilha!
Fernando Anitelli (Teatro Mágico)
Quero fazer um depoimento sobre como o direito autoral não tem favorecido a classe artística. Fomos chamados a gravar por uma gravadora comercial, e o dono da gravadora queria que gravássemos nossas músicas em ritmo de ska e forró, pois é isso o que venderia.
A circulação pelos meios de comunicação poderia ajudar a classe? Afinal, as rádios e tevês são concessões públicas, não? Só que nesses órgãos, o que rola massivamente é o jabá. Nosso caso (que tocamos na tevê) foi como pôr uma bandeira na Lua com um foguete feito no quintal. Gente da indústria diz que o Teatro Mágico é uma exceção: mas nós não deveríamos ser; somos o exemplo de uma possibilidade que deveria existir para todos os criadores
O ECAD queria me multar por tocar as minhas músicas. “Queremos proteger a sua obra.” Proteger de mim? Tempos atrás cobraram do Nenhum de Nós, porque num show no dia do aniversário do baixista eles tocaram “Parabéns a você”.
[Representante da Associação Paulista de Cineastas]
Estamos muito envolvidos com esse debate, e participamos ativamente da elaboração desse anteprojeto do MinC. Hoje, os cineastas e roteiristas brasileiros (como, de resto, quase todos os trabalhadores da cadeia cinematográfica) não ganham um tostão pela exibição pública das obras.
A atuação do ECAD é realmente muito questionável; é uma associação privada que tem monopólio para reger uma questão eminentemente pública, sem regulação nenhuma do poder público.
O projeto tem que ser colocado imediatamente em consulta pública; estamos escrevendo nossa 3a. carta para o MinC cobrando isso. Esse projeto é antes de mais nada fruto da sociedade civil, uma vez que um grande número de entidades participaram em sua elaboração.
Leandro Chemalle (ABEAD)
Gostaria de lembrar que a questão do digital, para os alunos de EAD, talvez seja ainda mais complicada: o estudante de EAD tem acesso a materiais que muitas vezes são bloqueados por travas tecnológicas (DRM). Nem que o aluno queira ele consegue fazer cópias necessárias para a sua educação. Essa questão também surge no caso da TV digital: ninguém sabe dizer se ele terá ou não DRM. Por conta disso, é muito importante que a nova lei avance em relação a essa questão.
Outro ponto relacionado é o dos formatos abertos, que afeta particularmente o mundo digital.
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