O seminário sobre propriedade intelectual promovido pelo IEEI foi muito bom, mesmo com a ausência do Siva Vaidhyanathan, que estava doente. Algumas coisas que me chamaram a atenção:
- a despeito da diversidade dos participantes, houve um consenso significativo de que mais propriedade intelectual não conduz necessariamente a mais desenvolvimento. Também houve mais intervenções a apontar as dificuldades que a propriedade intelectual introduz para o desenvolvimento e os direitos humanos, que o inverso. Foi uma surpresa, apesar do próprio título do seminário já falar em “tensão”.
- Esse consenso foi ainda maior quando se falava de patentes. Outra surpresa para mim, que estou mais acostumado a essas afirmações no cenário do direito autoral. Alguns dos palestrantes mais especializados em propriedade industrial mencionaram que há setores em que os próprios empresários são contrários às patentes; segundo o Konstantinos Karachalios, do Escritório de Patentes Europeu, a Mercedes-Benz passou anos sem registrar nenhuma patente na Europa — e não por falta de inovação, mas por uma decisão estratégica.
- O tema definitivamente requer uma abordagem interdisciplinar. Ficou claro que não dá para abordar a questão apenas de um ponto-de-vista econômico e ignorar o tema dos direitos humanos, por exemplo. Da mesma forma, não dá para ignorar os desafios introduzidos pelas mudanças sociais e tecnológicas: isso gera arremedos, como a proteção dos softwares sob o direito autoral (que resguarda por 70-120 anos um código que em 5 anos já está ultrapassado). E por aí vai; a relação entre as diferentes disciplinas que tratam dessa área certamente é um dos focos da “tensão” que deu nome ao seminário.
- “Devemos explorar as flexibilidades dos tratados internacionais sobre propriedade intelectual — mas será muito difícil retroceder nesses tratados”. Não sei até que ponto concordo com essa visão, mas palestrantes com bastante tarimba nessa área — como a Maristela Basso e o Konstantinos Karachalios — deram a entender que Trips (o tratado da OMC que exige patamares mínimos de proteção à propriedade intelectual), por exemplo, já deve ser encarado como um dado do problema. Isso é desanimador; pois, como mencionou o Pablo Ortellado, que esteve no seminário, Trips está longe de ser ideal. (Já quanto ao uso das flexibilidades, concordo plenamente.)
- Os advogados soaram uníssonos em um ponto (ainda que em outros tenham divergido bastante): quanto à propriedade intelectual, melhor uma lei ruim do que lei nenhuma. (Bem kantiano. Eu tendo a discordar, mas reconheço que o Bertrand Warusfel deu um argumento forte: se não há o poder da lei, o único poder que resta é o do dinheiro, do livre-mercado. Me pergunto se esse raciocínio é a unanimidade entre os advogados, e se o aplicam para outras áreas também.)
- Curiosamente, pareceu-me que nesse seminário os advogados foram mais críticos ao sistema de propriedade intelectual que os economistas — de certa forma contrariando o dito lembrado pelo Roberto Jaguaribe: “a propriedade intelectual é a vitória dos advogados sobre os economistas”.
Logo mais postarei um breve resumo das palestras do evento.
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